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Por Fernando Ribeiro no Portal Exame em 17.03.2021 -
Gosto de participar de programas de fidelidade. Acho que todo quarentão, como eu, já trocou pontos (créditos, milhas, etc.) por batedeira, liquidificador ou outro eletrodoméstico que nem sabia como usar.
Particularmente, nunca quis desperdiçar as poucas recompensas que recebia das companhias aéreas enfrentando problemas como alterações de voos, reembolsos e multas, situações que já vivenciei em viagens de trabalho. Além disso, sempre havia alguém para ficar com os prêmios.
Com o tempo, os programas foram se sofisticando por meio dos programas de coalizão, a exemplo do Multiplus (incorporado pelo LATAM Pass em 2018), Livelo e Stix.
Essas alianças aumentaram muito as opções de resgate, seja pelas parcerias com programas individuais – como o Km de Vantagens, Pão de Açúcar Mais e Petrobras Premmia – ou ainda, mais recentemente, com aqueles programas de devolução de dinheiro (cashback), como o Abastece Aí, Ame Digital e Méliuz.
Os modelos melhoraram, as ofertas se ampliaram, mas a experiência do cliente, nem tanto. O fato é que muitas pessoas ainda enfrentam problemas com programas de fidelidade. Dos mais coroas aos mais jovens.
Um estudo recente da KPMG indicou que 69% dos millennials acham difícil participar desses programas, em comparação com 49% dos baby boomers e 61% de todos os consumidores. Entretanto, o mesmo estudo aponta que 81% dos millennials compram mais quando participam de programas, comparados com 66% dos baby boomers e 76% dos clientes em geral.
Apesar disso, alguns programas ainda não oferecem os serviços mais desejados.
O grande sonho de consumo de quem participa desses programas é realizar qualquer pagamento com pontos, preferencialmente com carteiras digitais (digital wallets).
Embora o Apple Pay e o Google Pay já suportem cartões de fidelidade, poucos programas já se integraram às carteiras, ao contrário das maiores administradoras de cartões de crédito, como o Banco do Brasil, Bradesco e Porto Seguro.
Na lista de desejos dos consumidores, o segundo lugar é converter pontos em moedas fiduciárias (fiat), sem o custo ou a complexidade de passar por um intermediário, como a 123Milhas, HotMilhas ou MaxMilhas.
Aliás, converter pelo menos parcialmente o estoque de pontos em reais, dólares ou euros pode valer mais a pena para os programas do que mantê-los no passivo até que eles expirem. Um relatório recente do Gartner indica que os clientes deixam de resgatar até US$ 140 bilhões em pontos todos os anos.
A utilização de blockchains para emitir ou realizar transações com pontos de fidelidade – que são substituídos por tokens (ou “tokenizados”) – não é uma ideia nova. Porém, apenas algumas startups, como a Loyyal, já produzem soluções de gestão de fidelidade nativas em blockchain. Essa empresa recebeu aportes de apenas US$ 5 milhões desde 2014.
Outros ótimos exemplos de programas que já utilizam blockchain são os da AirAsia e Singapore Airlines, frequentemente eleitas entre as melhores companhias aéreas do mundo.
A BMW também lançou uma carteira digital na Coréia do Sul para pagamentos com “BMW Coins” nas suas concessionárias. Ela não permite a conversão de tokens para moeda fiduciária, mas suporta a troca por pontos de programas de parceiros da BMW.
Eu gosto muito desses primeiros projetos, mas vejo que eles não exploram ainda todo o potencial de blockchain.
Minha aposta é que os programas de fidelidade vão acabar se transformando em “loyalty fintechs”. Serão negócios que vão oferecer serviços DeFi (decentralized finance ou finanças descentralizadas), combinando soluções de gestão de fidelidade líderes de mercado, como o Oracle CrowdTwist; soluções de tokenização de ativos, como o ConsenSys Codefi; e blockchains, como a Ethereum.
Esse novo modelo deve incluir a compra e venda de tokens, e, talvez, até empréstimos e poupança. Aqueles programas que não quiserem participar do mercado financeiro vão negociar parcerias com fintechs existentes, como a Binance, Coinbase e Compound.
Embora seja uma grande mudança, a “fintechização” não exige uma alteração drástica na mecânica dos programas. Os tokens, por exemplo, podem continuar sendo vendidos antecipadamente às empresas para gerar mais receitas. Também pode-se cunhar tokens não fungíveis (ou NFTs, na sigla em inglês) diferentes entre si, com valores em dinheiro e datas de expiração individuais.
Enquanto a evolução de negócios em outros segmentos está gerando novos bancos digitais, como a Ame Digital (B2W), banQi (Casas Bahia) e Donus (Ambev), acredito que o mercado de fidelidade vai preferir avançar diretamente para DeFi.
Como esses programas estão mais familiarizados com moedas não fiduciárias do que os bancos, seguradoras e varejistas, por exemplo, eles devem perceber mais rapidamente como é mais ágil, flexível e seguro criar serviços financeiros utilizando contratos inteligentes em blockchains.
Porém, essa transição pode demorar alguns anos até que existam profissionais capacitados em blockchain em número suficiente para tantos projetos, dificuldade provavelmente agravada com a pandemia. Uma pesquisa recente da McKinsey mostra que apenas 23% das empresas estão comprometidas com inovação nesse momento de crise.
De qualquer forma, as exigências dos millennials e o crescimento do interesse em criptoativos, juntamente com o amadurecimento da tecnologia de blockchain, deve gerar uma grande demanda para os programas de fidelidade no futuro.
É como diz o empreendedor e cripto-ativista Elon Musk: “você pode assistir, ou fazer parte”.
Se a sua empresa não quer ser a espectadora dessa disrupção, recomendo que considere seriamente utilizar blockchain no seu próximo projeto de gestão de fidelidade.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente as opiniões da Oracle ou da EXAME.